Jorge Boran, CSSp.
Quando ouvimos a palavra EDUCAÇÃO, pensamos quase exclusivamente em EDUCAÇÃO FORMAL: escolas, faculdades, professores e salas de aula. A Congregação Espiritana está envolvida em EDUCAÇÃO FORMAL (escolas), mas está prioritariamente envolvida em EDUCAÇÃO NÃO FORMAL (paróquias, comunidades, cursos e diferentes tipos de movimentos sociais e religiosos). Gastamos muito tempo e recursos na preparação de professores e administradores para o sistema de Educação Formal e, muitas vezes, gastamos pouco tempo e recursos na preparação de líderes e agentes pastorais para serem afetivos no sistema de educação não formal. Frequentemente, deixamos de aproveitar a formação no seminário e o trabalho pastoral para treinar uma nova geração de espiritanos nas habilidades da educação não-formal. É o mesmo que preparar cirurgiões, dando-lhes a teoria necessária sobre o funcionamento do corpo humano sem treiná-los para desenvolver habilidades práticas para a cirurgia. Você se submeteria a uma cirurgia feita por um cirurgião formado deste jeito?
Relação entre Teoria e Práxis
Muitas vezes, há pouca consciência da diferença de metodologia entre educação formal e não educação não formal. As metodologias são, de fato, muito diferentes. Ambas as metodologias têm a ver com a relação entre teoria e práxis. O ponto de partida de cada abordagem é diferente. A abordagem Educacional Formal tende a usar uma METODOLOGIA DEDUTIVA que começa com a teoria, dando uma aula ou uma palestra na qual a prioridade é dada à teoria e princípios teóricos. Isso funciona bem em uma situação de escola. A educação não formal faz o oposto. Seu ponto de partida é a práxis (realidade que é refletida). Utiliza uma METODOLOGIA INDUTIVA, começando com a realidade, com a vida das pessoas e a situação concreta onde as pessoas se encontram. O método VER JULGAR AGIR é um exemplo de método indutivo bem conhecido na Igreja e definido no documento “Mater et Magistra” do Papa João XXIII como o melhor método para criar consciência social. Este método foi consagrado pela Igreja da América Latina e continua sendo usado para a estrutura da maioria dos seus documentos. Na metodologia de educação não formal, a evangelização e não é mais somente uma questão de aprender os ensinamentos da Igreja, mas, sim, de tornar a religião e a doutrina relevantes para a vida das pessoas, começando pelos desafios enfrentados na vida diária. Assim é mais fácil ligar fé e vida. Quando alguém começa com a teoria, com a doutrina, é mais difícil ligar a fé e a vida.
A metodologia indutiva da educação não formal requer uma interação contínua entre teoria e práxis (realidade e prática que são refletidas). A realidade corrige a teoria e a teoria ilumina a realidade. A base do fundamentalismo é a crença de que a teoria está pronta e só precisa ser aplicada à realidade. Nesta abordagem de cima para baixo, a realidade tem que se encaixar na teoria e não vice-versa. É por isso que é muito difícil dialogar com um fundamentalista cuja metodologia é puramente dedutiva. Trata-se de uma pessoa fechada que não tem interesse em evoluir e adaptar-se a novas situações. Em sua forma extrema, essa abordagem dogmática foi a base do nazismo que levou à Segunda Guerra Mundial e do populismo de direita de Donald Trump e outros líderes políticos que estão ganhando influência no mundo todo. A metodologia indutiva ajuda as pessoas a pensarem por si mesmas em vez de apenas repetir o que aprenderam. O conhecido educador brasileiro, Paulo Freire, distingue o que ele chama de “educação bancária”, que apenas coloca informações na mente das pessoas e “educação para a libertação”, que desenvolve uma consciência crítica. O primeiro pode ser facilmente manipulado por líderes políticos inescrupulosos, enquanto o segundo, não.
Jesus e Metodologia Indutiva
A história dos discípulos a caminho de Emaús mostra como Jesus usa essa metodologia indutiva. Ele não começa dando uma palestra. Em vez disso, ele caminha com os discípulos e usa como ponto de partida sua situação de desânimo e desilusão. Ele pergunta: “Do que vocês estão falando no caminho?” Depois de receber a resposta Ele explica a teoria bíblica que ilumina a situação na qual os discípulos se encontram. E somente no final da caminhada seus ouvintes o reconhecem, no repartir do pão. Eles imediatamente se envolvem em ação, correndo para contar aos outros. Assim, encontramos Jesus usando a sequência do método Ver Julgar Agir antes de ser codificado por Cardijn[1], Jesus usa a mesma metodologia com a mulher samaritana no poço. A educação não formal não se limita às paróquias, pastorais, ONGs etc. Pode, também, coexistir com a educação formal e ser eficaz em certas situações dentro do ambiente escolar. De fato, se não houver alguma abordagem não formal, a graduação de uma escola católica frequentemente significa também a graduação da Igreja Católica. Como jovem que cresceu na Irlanda nos anos cinquenta e sessenta, fui catequizado pela metodologia da Educação Formal, dentro do sistema escolar católico. Funcionou naquele tempo, no entanto, agora não funciona mais, porque o contexto cultural mudou de uma cultura rural ou pré-moderna para uma cultura moderna e pós-moderna que exige que a Igreja e a doutrina sejam relevantes. Uma transparência é exigida hoje e não foi exigida antes. Como resultado, a família que anteriormente conseguiu transmitir a fé aos seus filhos agora encontra enormes dificuldades no novo ambiente cultural, onde uma metodologia de cima para baixo encontra forte resistência.
As limitações da metodologia dedutiva para a evangelização
Há alguns anos, voltei para meu país de nascimento, a Irlanda, para organizar um curso para jovens. Em uma reunião prévia, com alguns líderes jovens, para preparar o material de propaganda do curso me disseram que a versão brasileira teria que ser mudada. Achavam que seria melhor não mencionar Jesus Cristo e a Bíblia para não provocar uma reação negativa dos jovens a serem convidados. Trata-se de uma forte crítica à metodologia de catequese usada até então. Ao longo dos anos, as aulas religiosas diárias nas escolas católicas transmitiram conhecimento teórico sobre o cristianismo. Mas a fé não é um assunto intelectual. Os dois pilares da fé faltaram: um encontro pessoal com Jesus Cristo como o rosto humano de Deus e o Evangelho como um programa de vida. Independentemente do que foi colocado no folheto de propaganda, era óbvio que apenas uma abordagem educacional não-formal, iniciada a partir da realidade dos jovens, funcionaria. As consequências negativas de uma metodologia educacional puramente formal que dá prioridade à teoria têm sido dramáticas, no contexto irlandês. Um fenômeno semelhante está ocorrendo em outros países ao redor do mundo. Num curto espaço de tempo, a indiferença, o colapso das vocações à vida religiosa e o afastamento de um grande número de jovens da instituição ameaçam o futuro da Igreja. A Igreja está descobrindo que não tem mais um público cativo. O primeiro passo é partir dos interesses dos jovens, encantar os jovens para depois dar outros passos no itinerário da educação na fé.
[1] O padre Joseph Cardijn, futuro cardeal Joseph Cardijn, fundou a JOC na Bélgica após a Primeira Guerra Mundial.
A opção pelos pobres
O carisma espiritano dá prioridade aos setores da população que estão sendo excluídos da integração social. Neste contexto, nosso fundador, Libermann, foi rápido em perceber que não se podia trabalhar pela emancipação dos pobres sem trabalhar para sua educação e que a educação (formal e não formal) pode ser uma arma poderosa contra a pobreza, a ignorância e a doença e ajudar as pessoas a melhorarem suas vidas. Aqui, a metodologia educacional não-formal pode ser valiosa, pois começa com a realidade da vida das pessoas, especialmente aquelas que estão à margem, facilitando a integração da fé e da vida, o Evangelho e os problemas sociais. Este será o teste decisivo da capacidade da Igreja de continuar a ser relevante no mundo moderno. Bonhoeffer, o teólogo luterano que morreu num campo de concentração devido a sua oposição ao Hitler, dizia: “o desafio da Igreja é de evangelizar um mundo que se tornou adulto”.
Níveis Micro e Macro
A abordagem da educacional não formal facilita a ligação de dois níveis: o nível micro das relações pessoais e o nível macro de como a sociedade está organizada através de estruturas sociais, econômicas e políticas que exercem poderosa influência sobre as causas estruturais da pobreza. Permanecer apenas no nível micro é negar nosso dever de formar pessoas como cidadãos para construir um mundo melhor. O processo educacional precisa considerar duas coisas: 1. a necessidade de mudar as pessoas (pecado pessoal) e 2. mudar as estruturas sociais, políticas e econômicas injustas na sociedade (pecado social). Isso envolve criar consciência das causas estruturais mais profundas dos males sociais, para que as pessoas não possam ser ingenuamente manipuladas por líderes inescrupulosos. A maneira como organizamos a sociedade pode muitas vezes favorecer os interesses de poderosos grupos de elite. O processo de conscientização política e social deve considerar o princípio educacional de um crescimento que é gradual, que envolve o trabalho em grupo e que passa por etapas.
Formação de agentes pastorais para o uso da metodologia educacional não formal
Um documento sobre educação, preparado para o Capítulo Geral Espiritano em 2012, aponta: “Precisamos formar educadores, preparando pessoas especializadas, como professores e gestores, para nossos trabalhos educacionais formais. Mas também precisamos preparar pessoas competentes no uso da metodologia de educação não formal que começa com a vida das pessoas, o que chamamos de metodologia indutiva”.
Muitos agentes pastorais (sacerdotes, irmãs, leigos) foram treinados para trabalhar em um ambiente educacional formal, institucional ou dentro das instituições e têm dificuldade em se adaptar às novas regras da educação não formal. Eles são competentes quando se trata de dar uma palestra, uma aula ou organizar de cima para baixo. Mas na pastoral têm dificuldade em entender que as regras, as atitudes e os métodos agora têm que ser diferentes. Em uma situação escolar, o professor pode contar com a presença contínua de seus alunos. Mesmo com um mau professor, os alunos continuam a frequentar, porque precisam obter um diploma no final do curso. Sem um diploma, eles não conseguirão um emprego no futuro. E sem emprego eles não poderão comer, casar, comprar uma casa ou criar uma família.
Por outro lado, em uma situação não formal ou comunitária a motivação é diferente. O agente pastoral não tem um público preso, mas deve motivar as pessoas a comparecer ao primeiro encontro, retornar ao encontro seguinte e assim por diante. Quando as reuniões se tornam cansativas, repetitivos e medíocres os jovens tendem a desistir. A pastoral não tem clientes garantidos e, para ser bem-sucedido, é necessária uma alta capacidade de adaptação e criatividade. O agente de pastoral tem duas opções: 1. adaptar-se e responder às necessidades das pessoas e assim motivar a continuidade ou 2. enfrentar o fracasso. Assim, a educação não formal exige que comecemos a partir da realidade onde as pessoas estão e com suas necessidades: amar e ser amado; ser reconhecido; ter segurança material e identidade; fazer parte de uma comunidade ou grupo que lhes dá as habilidades para viver junto com os outros, ter satisfação emocional em relacionamentos interpessoais; ser gentil e receber gentileza; dar sentido à própria vida, transcender a si mesmo, estar em contato com o sagrado, fazer parte de um grupo humano e contar com ele para lidar com os desafios da vida. Este ponto de partida, se bem acompanhado, deve levar a uma profunda experiência espiritual de uma fé baseada no encontro pessoal com Jesus Cristo como face humana de Deus e na adoção de sua proposta de projeto de vida baseado nos valores do Evangelho. Se não começarmos com os interesses dos jovens, não podemos manter o interesse deles. Para evangelizar os jovens de hoje, não basta dar aula. Precisamos encantar os jovens, conquistar sua confiança e depois começar juntos uma jornada de fé – uma jornada que substitui um estilo de vida superficial e oco por um estilo que tem um significado mais profundo. Se deixarmos de apresentar o Evangelho como uma resposta a essas necessidades, a Igreja e o Evangelho se tornam irrelevantes. Deixamos de dar resposta a uma jovem que comentou comigo: “A Igreja Católica tem só a missa, e isso é chato”.
Uma experiência concreta de como se pode usar a Educação não formal
Depois da minha ordenação como missionário espiritano, decidi muito cedo especializar-me no trabalho pastoral como jovens, como o maior desafio para a Igreja hoje. A juventude é a fase da vida humana onde são tomadas importantes decisões que determinam opções futuras e, por isso, é importante que a Igreja esteja presente para ajudar no processo de discernimento. Além disso, o futuro de todas as instituições depende de sua capacidade de atrair e envolver a próxima geração. Como consequência, comecei a escrever extensivamente sobre metodologia do trabalho com jovens. Um dos princípios tradicionais nos documentos da igreja é que os jovens são os melhores apóstolos de outros jovens. E isso é verdade. No entanto, não é suficiente anunciar o princípio para que ele funcione. Os jovens precisam de duas coisas para serem apóstolos eficazes de outros jovens: 1. serem treinados e 2. ter à sua disposição programas profissionais, adaptáveis, baseados na metodologia de educação não formal que podem ser reproduzidos e assim atingir mais gente. Há necessidade de treinar treinadores.
Em nosso Centro de Cursos de Capacitação da Juventude (CCJ) desenvolvemos um programa de treinamento de líderes chamado “Curso de Dinâmica para Líderes (CDL)”. Este programa funciona em três níveis: 1º nível, para iniciantes, 2º nível para líderes comprometidos e o 3º nível que usa as artes: música, dança, treinamento de voz, expressão corporal e teatro para motivar e envolver os jovens. O sucesso desses cursos pode ser medido pelo fato de terem sido traduzidos para diferentes idiomas: português, espanhol, inglês, alemão e ucraniano. No Brasil, os cursos são organizados em nível local e nacional. Os participantes são principalmente jovens que participam nos grupos de jovens nas paróquias e escolas, a nível local. As equipes são organizadas em nível diocesano ou congregacional. Os cursos são reproduzidos em mais de 110 dioceses no Brasil. Já foram, também, reproduzidos na Europa, Estados Unidos e África. Por causa da metodologia utilizada, o CDL pode ser facilmente adaptado a diferentes culturas. O sucesso é resultado, em parte, de um método especial de treinamento dos jovens monitores que chamamos de Método de Simulação. Nas sessões de treinamento anterior, as palestras e dinâmicas são apresentadas pelos membros da equipe de coordenação e, em seguida, são avaliadas por seus colegas e facilitadores mais experientes. Monitores relaxados que não tem costume de preparação séria descobrem que, com esta metodologia não é possível blefar. São obrigados a admitir que não se preparam com seriedade. Por isso são fortemente motivados na próxima sessão de treino a não repetir a experiência negativa – para não passar vergonha de novo.
Para garantir a continuidade, trabalhamos apenas com candidatos vinculados a organizações existentes. O objetivo é de formar jovens que ao regressarem às suas próprias paróquias, comunidades, movimentos ou organizações ajudem a renovar suas organizações e a saírem em missão para alcançar mais pessoas.
Há disponibilidade de materiais educativos como manuais, modelos de palestras preparadas em PowerPoint, que podem ser adaptados, e um DVD de treinamento. Os cursos estão sendo sempre atualizados. Novo material está sendo integrado continuamente ao manual original e este material pode ser acessado no Dropbox do Centro (CCJ)[1].
A metodologia não formal utilizada nos cursos é muito atraente e bem-sucedida:
• Várias palestras são complementadas por diferentes exercícios. Situações de aprendizagem são criadas onde os participantes aprendem fazendo. Os jovens descobrem seus talentos, sua capacidade de se comunicar com os outros, a pensar por si mesmos. Este método contrasta com grande parte da metodologia na Igreja hoje, de falar para as pessoas e tratá-las como audiência passiva.
• Há grande variedade, a aprendizagem é feita de forma divertida e há um forte espírito de amizade e união.
• O programa ou curso pode ser facilmente multiplicado para impactar mais pessoas e envolver um número cada vez maior de pessoas. Este é um dos aspectos mais importantes do curso, o efeito multiplicador de treinar treinadores.
• Alguns dos que fizeram os cursos são convidados a voltar para ministrar os cursos a outras pessoas e, assim, passar por um segundo e mais profundo nível de formação. Aqui usamos um princípio educacional importante: “a melhor maneira de aprender alguma coisa é ser obrigada a ensiná-la aos outros”.
• Os cursos podem também ser facilmente adaptados a grupos muito diferentes: principiantes, líderes, estudantes nas escolas.
Para concluir, existem sinais de esperança. Em muitos países a abordagem educacional não formal para evangelizar jovens e adultos está se tornando uma prioridade. Talvez a Igreja do futuro tenha menos pessoas. Isso não é um problema. Segundo a espiritualidade bíblica, quando somos fracos, nos tornamos fortes. Mas é importante que seja o fermento na massa, que evangeliza, não a partir de uma posição de poder clerical, mas sim através do testemunho e do dinamismo de seus membros, especialmente os jovens. A abordagem educacional não formal é uma ferramenta importante nessa tarefa.
Este artigo foi publicado na revista internacional, “Fórum da Educação Espiritana”, Novembro 2018. Há disponibilidade de copias em português, espanhol e inglês.
Mais informações e material pedagógico podem ser acessadas no site do CCJ: https://ccj.org.br/. Contatos para receber ajuda com o treinamento de equipes para reproduzir os cursos de CDL: jorgeboran@gmail.com ou centralcdl@ccj.org.br.
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