O discurso de uma jovem de 16 anos, Ana Júlia Ribeiro, que viralizou na internet e teve 1.877.063 visualizações nos primeiros dias. Continua sendo compartilhado por toda parte e chama a atenção da imprensa estrangeira. Ela fez o discurso na tribuna da Assembleia Legislativa do estado do Paraná.  O discurso da Julia é emotivo e por isso toca no coração, mas também tem um conteúdo e lógica que derruba as justificas ideológicas que sustentam a manutenção da atual apartheid social em nosso país.

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No meio do retrocesso de muitas conquistas sociais nos últimos anos,   a voz desta adolescente e de outros jovens que aparecem em vídeos na internet estão trazendo novo ânimo para muita gente. Depois do discurso o Governador Beto Richa (PSDB), que tem muito conflito com os professores, sofreu uma derrota. Os parlamentares derrubaram três vetos do mandatário tucano; oposição agora tem 32 das 54 cadeiras do legislativo paranaense.

Depois que a Júlia se tornou famosa de dia para noite ela deu uma entrevista para a Gazeta do Povo que revela uma maturidade surpreendente para uma menina de 16 anos. Eu me baseei na entrevista para conhecer os bastidores desta adolescente.

Aos 12 anos, devorou o livro “O Mundo de Sofia”, que lhe ampliou os horizontes e mudou sua forma de pensar. Desde então, tem sido incapaz de ficar indiferente a dor dos outros. Na entrevista, Ana Júlia recorda que no ano passado participou de uma missão de um grupo de jovens da Igreja Católica, em que foram a uma comunidade marcada pela pobreza em Montes Claros, Minas Gerais. A expedição ajudou a reforçar suas convicções.

Um fenômeno novo está acontecendo. Os pais de alunos estão dando apoio aos seus filhos estudantes. Ana Júlia participa da ocupação desde que o colégio foi tomado, há pouco mais de uma semana. Como o irmão dela também estuda no Colégio Estadual Senador Manuel Alencar Guimarães (Cesmag), toda a família acabou se integrando ao movimento. A mãe que é professora chegou a dormir com os estudantes por três noites seguidas. No último fim de semana, o pai, que é advogado, foi à escola para preparar um almoço aos alunos.

O pai de Ana Júlia chegou a sugerir à estudante que se transferisse para um colégio particular. Ela negou. “A Ana Júlia me disse: Pai, esse é meu colégio. É essa realidade que eu tenho que mudar’. Ela acredita muito nisso, de que a gente pode transformar a realidade. E a gente pode mesmo”, disse Pires Ribeiro.

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Os jovens estão trazendo à tona uma verdade fundamental. Somente uma sociedade civil organizada vai exigir transparência e responsabilidade final dos seus políticos e as pessoas com cargos públicos.  Trata-se do único caminho válido, a longo prazo, para reduzir níveis de corrupção e mau uso de poder que favorecem grupos de elite e prejudicam as pessoas no andar de baixo da sociedade. Todos os países “desenvolvidos” passaram por este processo. Toda a conquista vem com a pressão de baixo. Os direitos não são dados. São conquistados. Sem a pressão de baixo para cima estaríamos ainda com jornada de trabalho de 16 horas, ainda com sistema de monarquia e escravagista. Os Estados Unidos ainda seria colônia da Inglaterra. O Brasil seria colônia de Portugal e as mulheres ainda não teriam direito a voto. O desânimo aparece quando pensamos que os resultados dependem somente dos políticos em Brasília.

Uma das traves na luta política, tanto da esquerda como da direita e até nas pastorais, é a questão da vaidade e a luta pelo poder pessoal.  Há o desafio de distinguir entre o poder dominação e o poder serviço. Poder serviço. Ao perceber uma disputa de poder entre seus discípulos Jesus apresenta um novo conceito revolucionário do poder. “Vocês sabem: os governadores das nações têm poder sobre elas, e os grandes tem autoridade sobre elas. Entre vocês não deve ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês.”  (Mt 20,25-27) Como a sociedade seria diferente se nossos políticos e autoridades fossem entender seu poder assim, de serviço e não de dominação.

 Ana Júlia Ribeiro não deixa a fama instantânea subir à cabeça. Na entrevista com o Gazeta do Povo, Ana Júlia parece longe de reivindicar qualquer status de destaque ou de liderança. Afirma que quer apenas dar voz aos discentes. A repercussão do discurso rendeu até uma ligação do ex-presidente Lula. A jovem agradeceu o apoio, mas não quer que sua fala seja vinculada a partidos políticos.

“Eu estou orgulhosa de saber que os estudantes se sentiram representados”, disse. “Não, pelo amor de Deus, não quero ser líder de nada. Temos que ir com calma. A pauta, o movimento é muito mais importante”, acrescentou.

Antes de dar a entrevista por encerrada, este repórter perguntou se ela gostaria de responder sobre algum tema que não havia lhe sido questionado. Ela respondeu: “Eu só queria que o movimento aparecesse mais. A gente falou muito sobre mim, mas o movimento é mais importante”, finalizou.

Jorge Boran

 

Confira o vídeo completo: