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Numa entrevista excepcional e esclarecedora Dom Leonardo Ulrich Steiner, secretário-geral da CNBB, marca importante posição teológica e pastoral sobre o caminho que está sendo percorrido pela igreja do Brasil, no meio de diferentes desafios e correntes ideológicas. A preocupação com números não deve substituir a necessidade de coerência com as opções de Jesus no Evangelho.

O pretexto da entrevista à Folha de São Paulo, no dia 29 dezembro 2016, foi a pesquisa que constatou uma queda de 9 milhões de pessoas que se declaram católicas no Brasil.

As respostas de Dom Leonardo apontam para um processo de evangelização que difere do planejamento de uma empresa, que não aceita a redução da evangelização a Teologia da Prosperidade e da Teologia da Emoção, que acentua a importância da participação dos leigos na política e explica que a igreja não tem o “desejo-ilusão da maioria”. Renovação e coerência são valores que devem sempre caminhar juntos.

O que é prioritário para a Igreja, segundo o secretário-geral da CNBB são as “cinco urgências pastorais”:

  • “Permanecer em constante estado de missão, ou, como diz o Papa Francisco, sermos uma ‘Igreja em saída’;
  • Cuidado com a iniciação à vida cristã;
  • Assumir, sempre mais, a animação bíblico-catequética das comunidades;
  • Reconhecer e vivenciar a Igreja como comunidade de comunidades;
  • E, por fim, ser cada vez com maior vigor e coragem uma Igreja a serviço da vida plena para todas as pessoas.”

por Jorge Boran

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Leia a entrevista na íntegra:

Luta por justiça é mais relevante que porcentagem de católicos, diz CNBB. (Folha de São Paulo, 29 de dezembro de 2016, por Ana Estela de Sousa Pinto)

Mais importante que o número de pessoas que se declaram católicas é o número das que realmente aderem à fé cristã, buscam justiça e vivem o amor até as últimas consequências, diz o secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros), dom Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxiliar de Brasília.

A declaração foi dada, por e-mail, a respeito de pesquisa Datafolha que mostrou uma queda na porcentagem de brasileiros que dizem pertencer à Igreja Católica.

De outubro de 2014 a dezembro deste ano, a primeira religião cristã do mundo perdeu ao menos 9 milhões de fiéis, ou 6% dos brasileiros maiores de 16 anos, segundo pesquisa Datafolha.

Há dois anos, eram 60% os que se declaravam católicos; neste ano, são 50%.

Como a margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos, a queda foi de no mínimo 6 e no máximo 14 pontos percentuais -nesse cenário, seriam mais de 20 milhões de fiéis (algo como a população da Grande São Paulo).

A Folha pediu uma entrevista por telefone, mas a CNBB preferiu receber as perguntas (e responder a elas) por escrito.

Dom Leonardo diz que o pontificado do papa Francisco também tem elevado a consciência de que “a fé e a ação que dela procede são necessidades humanas básicas e devem ser vividas em qualquer tempo e lugar ligados a qualquer tradição de fé”.

Isso, argumenta, pode ter influência “na liberdade manifestada por aqueles que não se afirmaram precisamente católicos”.

Para dom Leonardo, a pesquisa também pode eclipsar uma parte de brasileiros que são católicos não praticantes —são batizados e têm tradição familiar na Igreja Católica, mas hesitam em se declarar católicos por causa da distância em que vivem hoje da igreja.

“A Igreja cuida da evangelização, do anúncio dos valores do Evangelho, e não se ocupa com estratégias para melhorar estatísticas.”

Ao comentar os motivos apresentados por brasileiros para trocar a Igreja Católica por igrejas evangélicas, o secretário-geral da CNBB afirmou que a igreja não pode ceder aos que se distanciam de um “compromisso mais engajado de transformação social” nem aos que concentram “sua atividade religiosa na busca individual da prosperidade e fazem da oração um instrumento único para esse objetivo”.

Citando o papa Francisco, ele diz que a maneira de se antepor a essa migração de fiéis é oferecer “esperança e alegria verdadeira, para expulsar as quimeras que prometem uma felicidade fácil com paraísos artificiais” e preencher “o vazio profundo de tanta gente”.

O bispo também comentou a maior interferência de igrejas evangélicas na política: disse que a não participação do clero católico nas eleições é uma diferença importante.

“Mas talvez tenhamos que questionar que tipo de atuação política é essa. Refiro-me a todos que atuam na política. Por que tanta corrupção no meio político?”

Dom Leonardo diz também que há católicos leigos engajados em política tanto no Legislativo como no Executivo, e que se deve esperar deles uma atuação pelo bem comum.

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Folha – Pesquisa feita pelo Datafolha com brasileiros maiores de 16 anos (amostra representativa da população brasileira dessa faixa, em termos de gênero, idade, faixa de renda, escolaridade, região geográfica e tamanho de cidade) mostrou uma forte queda na porcentagem dos que se dizem católicos. Nos mesmos dois anos, a porcentagem de evangélicos se manteve constante (22% de pentecostais, 7% de não pentecostais), mas a dos que se declaram sem religião subiu de 6% para 14%. Na avaliação da CNBB, o que poderia explicar essa queda na porcentagem de católicos?

Dom Leonardo Ulrich Steiner – É Cristo que atrai a todos para a comunidade de fé. É Cristo que suscita no coração humano um comprometimento com a vida plena por meio de seu Testemunho e de seu Evangelho.

A Igreja parte dessa realidade.

Desse modo, a resposta para a declaração de pertença das pessoas à Igreja ganha um significado mais espiritual que estatístico. Falta-nos, a todos, mais disposição para a conversão de vida e adesão ao cerne da mensagem cristã que é formado pela busca intransigente da justiça e da vivência do amor até as últimas consequências.

As pesquisas são importantes. Mas qual metodologia usada? Como foram direcionadas as perguntas? É pesquisa mesmo? É por amostragem? [Nota da reportagem: a Folha informou que a pesquisa foi feita por amostra representativa da população brasileira acima de 16 anos]

Assim, a queda nos números da pesquisa apresentada no que se refere àqueles que se manifestam católicos no Brasil pode ter elementos que estão fora do resultado geral como, por exemplo, aquele percentual majoritário de católicos não praticantes, isto é, pessoas batizadas e com tradição familiar na Igreja, mas que hesitam em se dizer que são católicas pela distância que vivem da comunidade.

Outra coisa: a eleição do papa Francisco e o desenvolvimento do seu pontificado têm dado maior consciência à opinião pública global de que a fé e a ação que dela procede são necessidades humanas básicas e que devem ser vividas em qualquer tempo e lugar ligados a qualquer tradição de fé.

Esse elemento novo pode, de algum modo, ter influência na liberdade manifestada por aqueles que não se afirmaram precisamente católicos.

Folha – A queda acentuada aconteceu apesar da renovação papal, com a escolha do papa Francisco, cuja ascensão foi vista por muitos católicos como uma mudança importante na Igreja e uma tendência de aproximação entre o clero e os fiéis. Existe a expectativa de que a liderança do novo papa estanque a perda de fiéis católicos ou recupere parte deles? Se sim, por que isso não está ocorrendo?

Dom Leonardo – A Igreja cuida da evangelização, do anúncio dos valores do Evangelho, e não se ocupa com estratégias para melhorar estatísticas.

A Igreja não é apenas o papa, os bispos e o clero. É formada pelo povo de Deus em marcha nesta vida e neste mundo.

A ela é confiada a tarefa de expansão da mensagem de uma vida nova representada pelo Reino Deus, um mundo novo marcado pela liberdade, a igualdade e a felicidade.

Respeito o método da pesquisa e a seriedade de quem a realizou, mas não consigo ver com toda essa clareza dos resultados apresentados uma explícita queda do número de católicos no seio da Igreja no Brasil.

Ao contrário, a partir do trabalho realizado pela Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), temos diante dos olhos comunidades muito articuladas e com muita participação.

A liderança do papa tem feito um bem enorme para a Igreja e o mundo e creio que, ainda que sua presença seja exuberante e legítima na pregação, sua postura permanente é a de despertar os corações e as mentes para a salvação que Cristo nos trouxe.

As suas palavras e gestos são em defesa da dignidade da pessoa humana, independentemente de sua expressão de fé.

Essa defesa é feita por todas as religiões?

O Papa tem insistido na cultura do descarte diante da dominação do mercado. Significa uma fé que não abandona a essência do Evangelho. Nesse sentido, o papa tem sido grandemente responsável pelo fortalecimento da Igreja.

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Folha – O que a Igreja Católica precisa e pode fazer para estancar a perda de fiéis e recuperar parte deles?

Dom Leonardo – As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil são o retrato do nosso plano de trabalho não para “estancar” essa suposta perda de fiéis ou “recuperar” aqueles que a abandonaram, mas para animar e fortalecer a caminhada das comunidades católicas.

Nessas diretrizes está explícito o nosso propósito maior: evangelizar, a partir de Jesus Cristo, na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária, profética e misericordiosa, alimentada pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para que todos tenham vida, rumo ao Reino definitivo”.

O que precisamos e podemos fazer é seguir nesse propósito evangelizador.

Claro, sempre com maior dinamismo, inovação, alegria e entusiasmo.

Nesse nosso “plano de trabalho”, por assim dizer, temos cinco urgências pastorais:

  • permanecer em constante estado de missão, ou, como diz o papa Francisco, sermos uma “Igreja em saída”;
  • cuidado com a iniciação à vida cristã;
  • assumir, sempre mais, a animação bíblico-catequética das comunidades;
  • reconhecer e vivenciar a Igreja como comunidade de comunidades;
  • e, por fim, ser cada vez com maior vigor e coragem uma Igreja a serviço da vida plena para todas as pessoas.

Há necessidade de refletirmos sobre a presença da Igreja nas diversas realidades.

Folha – O Datafolha perguntou sobre os valores do cristianismo e aqueles em que o entrevistado tem fé [detalhamento da pergunta e das respostas fazia parte da questão]. Quais poderiam ser as razões para que só 41% dos católicos se considerem totalmente identificados com os valores do cristianismo? O que precisaria ou poderia ser feito em relação a isso?

Dom Leonardo – Se a pesquisa perguntou isso a todos os que foram entrevistados, é estranho que seja um diagnóstico sobre a vida dos católicos.

Ainda que seja assim, é importante notar que a pergunta foi feita em relação à sintonia de valores da religião em relação aos valores da fé.

Para nós, católicos, essa dicotomia é evitada.

O papa Bento 16, na Carta Encíclica Deus Caritas est esclareceu essa questão: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: ´Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n’Ele crer (…) tenha a vida eterna ´ (3, 16). Com a centralidade do amor, a fé cristã acolheu o núcleo da fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova profundidade e amplitude” (Deus caritas est, n. 1).

É claro que, em caminho, precisamos sempre acentuar mais e mais os valores da fé na vivência da comunidade Igreja.

Há muito que ser feito para que os católicos identifiquem estreita sintonia da sua fé com aquilo que, efetivamente, se ensina, se reza e se ensina nas comunidades, mas esse é o desafio de todos os dias para todos.

Folha – Algumas igrejas evangélicas têm intensa atuação política, seja no Legislativo, seja no Executivo. A CNBB avalia que a Igreja Católica deveria ter atuação política formal nesses poderes? Por quê?

Dom Leonardo – A CNBB tem se pronunciado, com frequência, a respeito da indispensável participação dos católicos na política do bem comum, chamada pelo papa Paulo 6º de forma sublime da caridade.

Mas talvez tenhamos que questionar que tipo de atuação política é essa. Refiro-me a todos que atuam na política. Por que tanta corrupção no meio político?

Por ocasião das eleições, como ocorreu em outubro deste ano, a Conferência se pronunciou oficialmente durante a assembleia geral de abril, em Aparecida (SP), com a seguinte posição: “Os cristãos leigos e leigas não podem ´abdicar da participação na política´ (Christifideles Laici, 42). A eles cabe, de maneira singular, a exigência do Evangelho de construir o bem comum na perspectiva do Reino de Deus. Contribui para isso a participação consciente no processo eleitoral, escolhendo e votando em candidatos honestos e competentes. Associando fé e vida, a cidadania não se esgota no direito-dever de votar, mas se dá também no acompanhamento do mandato dos eleitos” (Nota sobre as eleições, abril de 2016).

A Igreja não aconselha aos membros da hierarquia se apresentarem para uma atuação política formal. É esse o papel dos leigos.

O que se pode notar é que está justamente nisso a diferença entre a atuação da Igreja Católica e outras comunidades cristãs.

Há católicos engajados em política tanto no Legislativo como no Executivo e deles se espera uma posição condizente com a orientação da comunidade de fé.

Folha – Caso considere importante essa atuação, o que deveria ou poderia ser feito para elevá-la?

Dom Leonardo – Eu creio que a Doutrina Social da Igreja tem elementos suficientes para orientar a atuação dos católicos na política.

Os ensinamentos da Igreja nessa área não dão modelos ideológicos para os cristãos que atuam na política, mas colocam sua ênfase total voltada para a dignidade da pessoa humana.

Papa Francisco, no esforço que tem feito para que os jovens conheçam a Doutrina Social da Igreja, considera que “o mundo só mudará quando homens com Jesus se entregarem por ele, com Ele forem para as periferias e para o meio da miséria”.

O papa desafia todos os jovens a irem para a política e a lutar pela justiça e pela dignidade humana, sobretudo dos mais pobres.

“Um cristão que não seja revolucionário neste tempo, não é cristão” (Mensagem de apresentação do Catecismo Docat).

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Folha – O Datafolha perguntou aos entrevistados sobre a relação entre religião e política [a questão incluía as perguntas exatas e as respostas obtidas]. Na avaliação da CNBB, igrejas devem recomendar preferência a religiosos em eleições? Religiosos devem fazer campanha para candidatos? Como o maior ativismo político dos evangélicos pode afetar a Igreja Católica?

Dom Leonardo – Em parte, já respondi a esse questionamento, mas não custa esclarecer essa questão.

Naquela mesma última Nota Oficial que a Conferência emitiu no primeiro semestre desse ano, os bispos afirmam: “A Igreja Católica não assume nenhuma candidatura, mas incentiva os cristãos leigos e leigas, que têm vocação para a militância político-partidária, a se lançarem candidatos. No discernimento dos melhores candidatos, tenha-se em conta seu compromisso com a vida, com a justiça, com a ética, com a transparência, com o fim da corrupção, além de seu testemunho na comunidade de fé. Promova-se a renovação de candidaturas, pondo fim ao carreirismo político”.

Prefiro evitar fazer juízo de valor sobre a atuação política dos irmãos de outras comunidades de fé, mas é claro que, de um modo ou de outro, toda atuação política de um grupo com razoável organização afeta o conjunto das comunidades.

E, nesse sentido, sente-se com clareza no horizonte social do Brasil a presença de grupos religiosos que atuam em bloco para defender questões mais afinadas com sua visão de mundo.

A Igreja Católica sente o mesmo impacto desse tipo de postura que a sociedade inteira sente, mas é importante lembrar que a “CNBB reafirma que a sua participação na vida Política é tão importante quanto necessária para ajudar na construção de uma sociedade justa e fraterna” (Mensagem para as eleições de 2014).

Folha – Pesquisa do instituto americano Pew Research feita em 2014 na América Latina ouviu 2.000 brasileiros em conversas pessoais, com margem de erro de 3,5% para mais e para menos. Segundo a pesquisa, mais da metade dos evangélicos brasileiros foi criada em família católica. O instituto perguntou aos que mudaram de religião que razões dentre as listadas pelo instituto eles consideravam importantes para a mudança. Na sua opinião, os motivos apontados se justificam? Por que esses fiéis sentem falta dos itens mencionados na pesquisa a ponto de mudarem de religião? A Igreja Católica deveria ou poderia fazer algo a respeito?

Dom Leonardo – Eu creio que ao menos em dois itens da pesquisa, aqueles que estão entre 60% e 70% dos entrevistados —os que gostam do estilo de culto da nova igreja e os que foram convidados por membros de outra igreja e convertidos—, são fáceis de serem percebidos entre os que mudam de comunidade, mas não refletem qualquer deficiência na ação evangelizadora da Igreja Católica.

Há quem goste, por exemplo, de expressar sua fé de maneira mais emocional e se distancie do compromisso mais engajado de transformação social. Há também quem concentre sua atividade religiosa na busca individual da prosperidade e faça da oração um instrumento único para esse objetivo.

A Igreja não pode ceder a esse tipo de gosto porque estaria contrariando sua missão central que é anunciar integralmente o Evangelho de Cristo.

O que a Igreja pode e deve fazer é crescer na fidelidade a esse anúncio de força e libertação para todos os católicos, todos os cristãos e todos os homens e mulheres de boa vontade.

Papa Francisco, ao encerrar o Ano da Misericórdia neste mês de dezembro, deixou bem claro que “há necessidade de testemunhas de esperança e de alegria verdadeira, para expulsar as quimeras que prometem uma felicidade fácil com paraísos artificiais. O vazio profundo de tanta gente pode ser preenchido pela esperança que trazemos no coração e pela alegria que brota dela. Há tanta necessidade de reconhecer a alegria que se revela no coração tocado pela misericórdia!” (Misericordia et misera, n.3).