Estou convicto que só através de uma aproximação multidisciplinar, dialógica, orientada para o progresso, mas também para a salvaguarda da dignidade humana, se pode enfrentar este difícil momento histórico, olhando com esperança para o futuro.

Esta é a perspetiva do presidente do Conselho Pontifício da Cultura, o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, apresentada no livro “Pandemia e resilienza. Persona, comunità e modelli di sviluppo dopo la Covid-19” (Pandemia e resiliência. Pessoa, comunidade e modelos de desenvolvimento após a Covid-19), recentemente lançado pela editora Cnr Edizione.

O volume, com textos disponíveis na internet, reflete sobre múltiplas questões sociais e económicas colocadas pela pandemia, desde as que exigem resposta urgente às que requerem estratégias de médio e longo prazo.

As carências dos sistemas de saúde, o peso das desigualdades em termos de rendimento e de acesso à educação e outras garantias, a progressiva redução da biodiversidade, são algumas das questões desenvolvidas pelos peritos, maioritariamente leigos.

Entre os autores estão especialistas e investigadores nos domínios da física, bioquímica, direito, economia, bioética, inteligência artificial, biomedicina, diálogo intercultural, filosofia, teologia, segurança, reanimação e terapia intensiva, psicanálise e psicoterapia.

As análises partem da constatação de que as medidas de contenção da pandemia, em todo o mundo, acentuaram vulnerabilidades que o modelo de desenvolvimento já alimentava, em prejuízo do bem-estar equitativamente distribuído.

«Não se pode sair hoje de um apocalipse deste gênero regressando à vida de antes, pondo atrás das costas o que vivemos nas passadas semanas [do confinamento]», considera o presidente do Conselho Científico.

Não se pode, prossegue Giuliano Amato, duas vezes primeiro-ministro de Itália, porque é «impossível olhar o outro» sem que se insidie «o temor do contágio», e também porque, «talvez», não é possível o ser humano libertar-se «das novas vibrações» do «eu» que foram «amadurecidas na longa solidão».

«Não se pode, sobretudo, porque aquilo que nos aconteceu abriu-nos os olhos para as tragédias a que nos expomos, servindo-nos da Criação, como até agora o fizemos, não para a preservar e melhorar, mas para dela extrair sem limites tudo aquilo que satisfaça os nossos fins egoístas e imediatos», acentua.

Quer as «desigualdades» que feriram a dignidade do ser humano, quer a «solidariedade» que o exaltou, manifestaram «o valor incomensurável da pessoa», e contribuíram para que compreendesse que o bem comum depende, certamente dos governantes, mas não depende menos de cada um de nós», assinala Giuliano Amato.

O responsável sublinha que urge «reconstruir uma sociedade capaz de resistir, resiliente, como hoje se diz, diante das incógnitas do futuro», e frisa que os parâmetros éticos de uma sociedade «medem-se na sua capacidade de promover o bem comum e proteger os mais fracos».

“A lição e a advertência da pandemia do Covid-19”, “Novo coronavírus: uma revolução de pontos de vista e prioridades”, “Saúde, comunidade e subsidiariedade nos tempos da pandemia”, “Reflexões sobre o futuro”, “Ética pública e novo coronavírus: uma dúplice questão de justiça”, “A pandemia de Covid-19 e o dilema ético: quem tratar?” e “Resiliência psicológica e pandemias” são alguns dos títulos dos 15 textos.

O Conselho Científico do Átrio dos Gentios (plataforma da Igreja católica, com sede no Vaticano, para o diálogo entre crentes e não crentes) é um organismo permanente do Conselho Pontifício da Cultura, instituído em novembro de 2016.

O departamento é composto por estudiosos e personalidades de destaque, que, com a sua experiência, permitem aprofundar grandes questões da filosofia, antropologia, ciência, direito, economia e da cultura em geral.

O dicastério mantém também, como estruturas permanentes, o Conselho Feminino, fundado em 2016, com duas dezenas de mulheres de diferentes confissões religiosas e não crentes, e o Conselho Juvenil, criado em 2019, igualmente com vinte membros (dez rapazes e dez raparigas), de idade compreendida entre os 17 e 24 anos, crentes e não crentes.

Assim que sair a versão em português do livro, disponibilizaremos aqui no site.

 

Rui Jorge Martins
Imagem: Capa (det.) | D.R.
Publicado em 14.07.2020

Texto original: Pastoral da Cultura